
…quando cheguei a casa, com cinco minutos de atraso em relação à meia hora prometida…tinha um miminho à espera. Em cima da mesa, num ambiente envolvente de Mozart, o meu chá preferido – Imperador.
Sorri, aproximei-me e beijei-lhe os cabelos sempre sedosos e compridos.
- Olá…desculpa o atraso…mas ainda tive de tirar umas fotografias ao poço abandonado da quinta da serra…

- Tu e a fotografia…a mim nem me fotografas…não me ligas nenhuma…
- Como te atreves…a dizer ... que não te ligo nenhuma, depois daquele episódio…estou aqui… não estou?
- Desculpa…dá-me um beijo doce…
- Primeiro …tenho de beber chá…estou a precisar…
Que bom …foste ao pormenor da caneca preferida…oferecida por uma mulher apaixonada…
- Tens de me explicar o teu fascínio por Fernando Pessoa…
- Não será melhor... Alberto Caeiro?
- E o beijo…”tá” difícil…. ???
E o momento aconteceu. Nunca tinha sucedido, falarmos de lábios colados. Exercício exigente, mas compreensível. Ninguém queria desistir.
- Amor…
- Sim ainda sou o teu amor…depois da tormenta…!!!! Aliás, o amor nasce forte e demora a desaparecer…esquecer... é melhor!
- Ainda não esqueceste….e tens razão. Toda a razão! Olha… o Outono tem destas influências…a queda da folha, as primeiras chuvas, o cair da temperatura…
- Não me digas que o Outono foi responsável, pelo desentendimento…
- Não…estou a brincar…mas reconheço que tens razão…pequenos nadas e ficamos sentidos…
- Achas que….?????
-Desculpa…já pedi. E é bom seres sensível. É sinal do teu amor…do teu pleno amor…obrigada por existires!!!!!!!
-Vá….e tu aprende a ser mais apaixonada…
-Feitios…diferenças…mas eu amo-te!
Com todo o fulgor de um abraço e sucessivos beijos pacificadores…o tempo passou rápido e a noite caiu. Do pouco de reserva no frigorífico, inventei uma refeição rápida de massa verde com molho bechamel, cogumelos , fiambre e camarões. Duas romãs brancas…e um chá de frutos vermelhos. Uma salada de agriões…e uma escapadela ao quintal, para roubar um limão suculento…e ainda restava um pouco de queijo Feta.
Na cozinha…incendiou-se a lareira, ainda activa com as brasas da manhã. Enquanto comíamos, os nossos olhos cruzavam-se em espelhos sucessivos de felicidade.
Num acto muito simples, mas romântico, puxou de um envelope e disse-me:
- Lê…queria escrever-te uma carta de amor, mas não fui capaz…
Numa caligrafia difícil, mas redonda e quase simétrica…um pequeno texto:

- Meu amor
Amo-te desde o raiar da manhã até ao pôr-do-sol … e o hiato entre esses dois tempos, é preenchido pelo sono e o sonho (que teimosamente não se deixa lembrar...nunca me lembro dos sonhos) onde lá terá o amor, o meu amor por ti… sido nele, também uma constante … tenho a certeza…
Um beijinho apaixonado.
Tua
Sorri…e agradeci...com um beijo carícia.
- Lindo. Esse teu dizer..
- “Bigada”
Disse num tom mimado, típico de quem se sente feliz. A refeição terminara, o café servido na sala de estar contígua ao lancil da escada dos quartos…e enrolados na velha mas quente manta comprada na Estrela…há muito tempo… (ainda era jovem)…cobria-nos os corpos colados de saudade.
- Meu amor… amanhã…tenho de ir a Lisboa. Tenho uma reunião, onde não posso faltar.
- Mesmo em férias…estás de serviço…
- Pois é…tem de ser.
- Posso ir contigo?
- Podes…mas não preferes ficar a descansar? Tens uns dias de férias…fica por aqui! Eu dentro de dois dias regresso…
- Nem penses…vou contigo…deixo o meu carro aqui…e depois regressamos. Sabe tão bem viajarmos de mão dada…
No enleio da noite, o CD repetia Emma Shapplin…enquanto falávamos do nosso futuro, nos beijos sempre mel de cada “parágrafo”.
Quase em forma de birra…mordeu-me o lábio suavemente e disse:
- Não é justo. Eu lembrei-me de ti. Escrevi-te um simulacro de carta apaixonada ( muito reduzida) …assim deste tamanho…e tu…sim tu, que te gabas de escrever poemas só para mim…aliás prometeste-me um livro de poemas só meus, que nunca mais passa do meio…não me escreveste nada, nesta saudade. ???
Sorri…olhei-lhe os olhos amendoados e já quase cobertos de sono…disse:
- Se Vª. Exª. me deixar…vou buscar um “despacho” do meu coração escrito na serra da convulsão…e assim o livro já passa do meio…falta só 49% de poemas…
- Tu queres …é ver-te livre de mim…deixa-te estar…é tão bom saborear o teu quentinho…e eu não me quero zangar…não escreveste nada! Mas eu perdoo-te! Aliás tens razão por teres ficado zangado…
- Agora vou ficar novamente …não acreditas que te escrevi um poema?
-OK! Vou declamá-lo….
Eu amo-te
Flor do meu perfume
Jardim do meu olhar
Corpo do meu perder-me
Beijo da minha sede
Abraço mar bonito
Amor segredo puro
Vontade sempre
Canto a um só…
Amor!
- Querido, meu anjo…tens uma mente prodígio. Aliás, adoro-te por seres quem és…mas inventaste agora esse poema…que é LINDO!!!!!!! Não o escreveste! Não inventes…já paravas!!!!!!!
- Ups!!!!…desvia um pouco…estás “pesadita”…sabes? Aqui está a folha dobrada em quatro do poema que te escrevi…faz favor de conferir. Mas…e antes que a zanga comece…menti-te…escrevi-o no café do Ti João…não na Serra. Lê... melga…
- Tão lindo!!!!!!!…Amor…perdoa-me…mais uma vez fui insensata…Vamos dormir…vá… toca a aproveitar as poucas horas de sono…amanhã vamos a Lisboa…e enquanto vais para a tua reunião…eu vou tomar um chá ao mar…ao nosso mar…Depois regressamos para o nosso ninho…Amo-te... OUVISTE?

Pequena série de "Diários" publicados - By Outono