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domingo, março 16, 2008

Carta de amor...



Carta de Amor a uma Barriga

Barriga informe, do tamanho do mundo, toma bem conta de ti. Sítio mágico, redondinho, a vida és tu. Cresce, não deixes o mundo à espera. Talvez eu ainda não saiba, mas daqui a pouco - antes de ti - não havia nada. Anda barriga, a única coisa que o sol queima é o desgosto, barriga. Não tenhas medo do mar, basta respeito. Não te salves, não percas tempo com isso e nunca compres uma mesa de café em que não possas descansar os sapatos.

Se as tuas mãos forem brancas como as primeiras neves, poupa-lhes o negrume da espera. Trata de as oferecer por inteiro a quem vir em ti uma criança. Treina muito bem a memória, vais precisar de esquecer. Trata-me por tu. Curte música, gosta de coisas, abraça pessoas e anda com as costas direitas. Aprende a falar em silêncio, com o corpo.

Bem podes argumentar que se está bem no quentinho, o quanto à gente custa sair da cama pela manhã. Mas não me venhas dizer que os tempos estão maus. Lembra-te que todas as eras e todas as civilizações se queixam de paraísos perdidos. Vão sempre dizer-te que dantes é que era, nem que vivas mil anos. Desconfia.

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É que tu, barriga por enquanto lisa, ainda és tudo o que nós já não podemos ser. Toda tu és potência, possibilidade e hipótese. Se espirras constipa-nos. Toma o teu tempo perde-te. Mas começa já a levantar cidades aí dentro. Mobila-te, vais precisar dos teus edifícios, dessa roupa interior. Principalmente no Inverno.

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Anda cá ver isto, barriga do coração, sê curiosa. Expande-te, descobre os limites das coisas, o instante em que deixam de ser o que são e começam a ser outras coisas.

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Ninguém sabe o que é a vida, a não ser tu. Mas eu acho que a vida é um ponto de embraiagem gigante, impossível. As ciências deixaram outra vez de ser exactas, os principais mistérios continuam intactos. A gente precisa das crianças do futuro. A terra moral também é redonda. Levanta amarras, barriga !

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Mas, ó barriga, que sei eu? Tudo me parece também o contrário. Quero que cresças, hei-de querer que encolhas quando fores do meu tamanho. Não me ouças, barriga, anda só e depressa. Não quero que me salves, tem mais que fazer, mas faz de mim um homem e faz de ti um miúdo.

Texto de LUÍS GOUVEIA MONTEIRO

2 comentários:

BIA disse...

"...As ciências deixaram outra vez de ser exactas, os principais mistérios continuam intactos..."

Que grande Verdade!

Abracinho


BIA

OUTONO disse...

Bia
Há um mundo novo, por descobrir, e as ciências de hoje, poderão ser problemáticas amanhã.
Se o homem quiser...talvez...digo eu...simples pensador de saídas da crise...o mundo fique mais verdadeiro.

Beijo

OUTONO