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terça-feira, janeiro 18, 2011

SURPRESA...


Por vezes, há uma necessidade de escrever...é o meu lema.
De quando em vez, ouso trazer aqui a minha prosa.
Deixo-os com mais esta sequência, do capítulo iniciado há cerca de ano e meio.




Consegui furtar uns míseros momentos de folga e, resolvi não dar descanso à minha vontade de repousar.
Apenas tinha de ter tempo, para recordar mares de memória infinita e, saborear odores em olhares sedentos.
Curioso, o "Ti" Augusto telefonara a pedir-me um favor, naquele sotaque nortenho simples:
- Oh! menino...vem cá acima...olhe... eu precisava de falar consigo...tenho uns papéis urgentes para lhe mostrar.
Camisola de gola alta, "jeans" blusão e botas, meti-me ao caminho. A caminhada foi longa. Mais de mil quilómetros, até ao recanto sem limite, onde a terra cheira a sonho e o mar é anfitrião.




A casa, apresentava saudades de ser habitada. Atirei o blusão para o meio do sofá e olhei a cadeira vazia, onde ainda estava o "EXPRESSO", bem amarelo das noites frias de há...alguns meses. Intacto. Não houve tempo para ser lido da última vez. Tinha sido colocado à beira do desejo de leitura, na última noite...em que as palavras foram mudas e os corpos dialogantes.
As notícias, curiosamente, diferem pouco. Falava-se do aumento dos combustíveis e, eles continuam na onda da subida de preços. Falava-se das greves nos aeroportos e elas continuam a acontecer. Falava-se na política que não se assume e, ela continua indefinida.




De repente à memória assaltam-me conversas do nosso amor. Às vezes zangas, outras tantas enleios. Personalidades diferentes e, bem marcantes.
Lembro-me da tua "picardia", ao destacares que o amor naquela noite, não era tão intenso, porque estavas muito cansada. Tinhas esperado mais de vinte e quatro horas no aeroporto e, tinhas gasto o dobro do dinheiro, só para "voares" até mim noutra companhia aérea. Isto para não falar no velho disparate redundante, que a política te dá cabo dos nervos...
Lembro-me de te calar a boca com "mordidelas" doces, em cada desculpa "esfarrapada", para justificares a fragilidade do teu abraço...estavas de rastos e, ainda tinhas trazido trabalho para fazer. E gritavas querer amar, mas também descansar.
Quando te perguntei se achavas que eu estava "fresquinho", respondeste: - OK !...boa razão, vamos descansar os dois...BOA????
Lembro-me do teu desastre na cozinha, quando deixaste queimar "tudo", pela birra de demonstrares seres boa dona de casa e excelente cozinheira...
Lembro-me do teu sinal da cruz, frente à igreja...e num sorriso teres gracejado para mim: - Ateu!
Lembro-me do teu poema deixado na beira da lareira, onde escreveste:

O teu olhar é o meu mar
Onde gosto de navegar livre
E o teu peito o porto seguro
Onde o meu corpo amarra...




Lembro-me das tuas lágrimas sonoras, quando num desajeitado descuido, fizeste cair o papel do "poemita" e, o fogo da lareira "comeu-o"...como disseste, muito triste.
Lembro-me da caneca gorda,que te ofereci, quando visitámos a feira de enchidos e, onde escreveste no fundo: - aqui beberei sempre o nectar do nosso amor...
Não pode ser lavada...se não a tinta sai...lá está em cima da lareira!
Lembro-me de tudo ...mas esqueci-me do telemóvel na mesa do café do "Ti" Augusto...onde, à chegada, tomara o café de cevada feito de propósito para mim.
A velha campainha rouca (herança com orgulho da velha casa maternal) tocou.
Fui abrir. O "Ti" Augusto mostrou-me o telemóvel e disse:
- Oh! menino...esta coisa está farta de tocar, veja lá se é urgente...
- Obrigado "Ti" Augusto...
- Olhe lá...a minha Maria, logo à noite p'rá ceia... vai fazer um peixinho no forno, apanhado esta manhã....vá ... apareça lá. Tem é que me pagar o café que tomou e não pagou, mas a ceia ofereço eu....o menino merece, tem feito tanto pela terra...
- Olhe que aceito...
- Oh! homem...desculpe ainda chamar-lhe menino, a minha Maria vai ficar tão contente. Olhe lá...e aquela menina que vem sempre de avião ( deve ser muito rica), não veio desta vez?
- Não...mas acabei de olhar para o telemóvel e é ela que quer falar comigo...
- Então fale lá...e diga-me se ponho mais um prato na mesa...
- Oh "Ti" Augusto...ela está longe...não pode vir...
- Olhe, nunca ouviu dizer que o longe às vezes é perto? Vá ...venha comigo, que a ceia está pronta e, a Maria começa logo a refilar...mulheres...





Atravessámos a rua, passámos pela frente do adro e, naquele Beco sem saída, a que o "Ti" Augusto chama "a minha coutada"...à porta um luzente carro ...
- Oh! "Ti" Augusto...que carro é este?
- Olhe... não sei...vá entre...
De braços abertos e sorriso rasgado, estavas eufórica...
Caíste-me no meu peito e quase tombávamos com o abraço seguido de longo beijo...
O "Ti" Augusto interrompeu naquela tosse marota:
- Meninos...depois resolvem a questão, desculpe lá menino ter-lhe mentido, era a surpresa que a menina encomendou. E hoje ficam aqui...jantem e durmam na minha cama. Eu e a minha Maria vamos p'rá do meu filho...caramba, cada vez que dormem ali na sua casa...saem sempre zangados...deve estar enguiçada a vossa cama...
Sorrimos...ouvimos o bater da porta e perguntei:
- O que se passa?
- Xiu!!!!...amanhã falamos.
Agora estou com fome...de ti também. Cheguei a uma brilhante conclusão.
- Qual?
- A saudade mata e o amor é para se cumprir. Perdi a cabeça. Pedi com carácter urgente a transferência e, a partir de agora...ai de ti...que não jantes comigo todas as noites...ouviste?????
- Só jantar ? ??
- Com sobremesa...claro !!!!!




in MOMENTOS - by OUTONO - 2011